Temos um ritual aos sábados:
sofrer.
Sofremos juntos, ou virtualmente
juntos. Ouvimos músicas tristes e reclamamos da injustiça sentimental da vida.
Patético, eu sei, mas nos unimos bastante dessa forma. Li em algum lugar que
já não me recordo mais que o sofrimento une mais que a felicidade. Uma dor em
comum é muito mais expressiva que várias alegrias juntas. Não que não
compartilhemos alegrias, às vezes acontece, porém reclamar faz muito mais o
nosso tipo.
Aí eu me peguei pensando em até
que ponto nos tornamos coniventes com a nossa situação. A cada dia que passa
estamos mais velhos e infelizes e parecemos aceitar isso tão completamente que
esquecemos de lutar contra, de tentar recuperar a juventude perdida ou, para tentar evitar o exagero, esquecida. E enquanto me vejo sentada no sofá
vendo a noite passar, ouvindo canções tristes e escrevendo sobre isso, percebi
que talvez a gente goste de dizer que está sofrendo.
A razão é sempre obscura, não
sofremos abertamente, sofremos assim, por inércia. Sofremos pelo dia que está
escuro, pela poesia do Drummond, por um ótimo show. Sofremos por não estarmos
onde queríamos, por estarmos lá sem saber o que fazer, por saber o que fazer e
não querer fazer. Sofremos com toda e qualquer circunstância que a vida
apresenta, por que no fim das contas apesar de termos quase tudo o que falta é
demais para ser ignorado e ignorar seria sucumbir à felicidade e no fundo, não
sabemos ser felizes.
Às vezes penso que se
autodeclarar uma pessoa feliz só pode ser uma dessas duas coisas: loucura ou
aceitação. Porque ninguém é feliz, você pode estar vez de vez em quando, como
condição, não estado permanente. Pode ser louco o bastante para não se importar
com os outros dias ou aceita-los de bom grado como penitência para que as coisas
boas aconteçam. Muitas vezes desejei esse estado de loucura consciente e limpa,
mas hoje vejo que não é o melhor. Eu não saberia lidar com ela como lido com o
sofrimento. Lidamos. Um dia passaremos por isso tudo de uma vez só. Atingiremos
a loucura ou a aceitação. E então eu não sei o que será de nós, mas acho que
seremos alguma coisa, enfim.
Alguma coisa para o mundo,
talvez. Para nós, seremos sempre isso, sofredores convictos.
"Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me será o passado que é hoje só presente?...
O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração..."
(Álvaro de Campos)
"Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me será o passado que é hoje só presente?...
O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração..."
(Álvaro de Campos)