domingo, 8 de novembro de 2009

Ouça-me, Paz.

Mostre-me que é real, Paz.
Diga-me que existe e que pode voltar. Diga-me que sente minha falta e que cada pranto meu é um sofrimento teu. Ouça-me, Paz, volte para mim. Não me deixe assim sozinha onde estou, volte para mim. Você me fazia feliz quando estava por perto, diga-me, por que não volta?
Lembro de quando você estava comigo e eu andava sempre de cabeça erguida, não me preocupava com o resto. Ah, Paz, o que eu devo fazer sem você? Quando andavas comigo eu sorria a toa, feliz, tão feliz. E agora, sem você? Eu estou prestes a desabar. Você levou consigo minha constância.
Sem a constância, Paz, quem sou eu?
Eu não sei ser desenfreada e não sei sair do plano. Desde que você partiu não sei se ainda há um plano, ele se desfez numa névoa densa onde eu não consigo enxergar nada. Dizem-me que estou melhor sem você, mas eles mentem, eu sei a verdade. Eu sei que sou eu quando te tenho comigo e que só posso sentir bem todas as coisas se estiveres aqui. Volte então, Paz, volte.
Volte que eu te aceito de bom grado e nunca mais reclamo da sua falta de expressão. Volte que eu me esqueço de tudo e continuo a viver, volte que eu deixo de olhar para os lados e me foco no que importa. Volte que eu estou cheia demais sem você. Mente e alma, cheias demais.
Mas há outra coisa a ser dita, Paz. Se não fores voltar, me diga de uma vez por todas. Vá embora então e não apareça nunca mais, não me deixe lembrar que te tive um dia. Eu não quero este meio termo em que tenho vivido, vá e não olhe para trás, me deixe aprender a viver sem você.
Eu não sei como vai ser se você partir, eu não saberei que atitudes tomar nem o que dizer aos outros que me verão tão modificada pela tua ausência, mas é certo que hei de me adaptar.
Eu só não me adapto com esta falta inexplicável, Paz.
Eu só não me adapto com o não saber.

"Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!"
Álvaro de Campos

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Quando Já é Tarde Demais

Olhar de perto uma vida que se vai, que grande tristeza...
Uma ponta de pânico apertou o peito quando todos os olhares se voltaram para ele. Era a hora do início das últimas horas. Tudo estava por um fio do fim e ele sabia disso, ele e aqueles que o rodeiam. A vida já era uma última gota, prestes a evaporar. Havia tão pouco tempo para fazer o que não estava feito que não seria possível escolher quais erros deveriam ser reparados ou desejos realizados.
O olhar caído e doente já não guardava o brilho que tinha quando a ansiedade pelos acontecimentos futuros lhe dava novas cores para a vida. Aqueles olhos não eram os mesmos de antes, não havia de fato mais vida neles, pois o que é a vida senão uma porção de esperanças, que vão levando ao futuro? Não havia ali mais esperanças, apenas a espera que ia apagando uma a uma as chamas que o mantinham aceso.
Olhou ao redor em uma prece silenciosa para que automaticamente seus pecados fossem perdoados não por Deus, mas pelos que de fato importavam. Aqueles que quando não sabiam que sua vida estava se esvaindo, afirmavam que não havia perdão e hoje, ao olhar seus lábios débeis entreabertos num pedido de desculpas, fingem esquecer o que de fato os levou até lá, para que o doente morra em paz e possam tripudiá-lo assim que a terra tomar o corpo.
Ele não era o mais puro dos seres humanos e sempre agiu de acordo com seus interesses. Estava errado? Não sei, quem o poderá julgar? Só é certo que ao longo do tempo são feitas escolhas e quem opta por si não pode desejar a humanidade e se o faz sofre arduamente.
Ocorre que o eu não basta. Não basta ter a si só, os outros são necessários. Por mais que ele se julgue independente e pouco se importe com os demais, no fim, quando menos tempo havia para entender as coisas, ele compreendeu a importância de se ter tudo e a todos.
Ele compreendeu que fracos são todos, mas aqueles que estão só são inúteis, acabados. Que não há vida sem outra vida, que não há indiferença mas sim ignorância no desejo de ser por si e por mais ninguém. Ele viu enfim que as coisas não fazem o mínimo sentido quando estão chegando ao fim e que quanto menos tempo se tem mais coisas se quer fazer. Ele compreendeu a diferença e entre pena e compaixão, tão citadas pelos espiritualizados e tão inúteis no seu ponto de vista vivo e ativo.
O ponto de vista morto e doente sonhava dia e noite com uma ação passada que inspirasse em alguém uma gota que fosse de compaixão, pois para pedir amor já era tarde demais. Tudo o que tinha, no entanto, era a mais sórdida pena de alguns e a idéia de confirmação do fado sendo exalada por outros. Foi merecedor do que passou, de todas as dores, todos os tormentos? Foi merecedor do abandono?
Bem, merecemos todos nós a morte, não?

"Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.

Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?"
Álvaro de Campos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Apenas Estrelas

Ela encarava o céu e repetia que as estrelas eram a coisa mais linda de se ver no mundo e que daria tudo pra tê-las. Ele, encarando o chão, pensava em uma forma de dizer que discordava.
Se tivesse coragem, ele a olharia nos olhos e diria que as estrelas não são nem de perto a coisa mais linda do mundo, pois quando ele pensa em beleza tudo o que vê são os olhos dela enquanto olha um céu estrelado. Diria que a coisa mais linda de se ver é o brilho de devoção que surge neles quando ela fala sobre as estrelas.
Se tivesse coragem, diria ainda que pedia todos os dias aos céus, às estrelas e a qualquer coisa que fosse um pouco mais divina do que ele que cedesse um pouco deste brilho para si e que assim, pelo menos uma vez, ela olhasse para ele com o mesmo fervor com que admira as estrelas. Ele diria que implorava aos astros que fizessem o seu nome sair da boca dela com a mesma paixão com que a palavra estrela era dita.
Se tivesse coragem, ele falaria que não precisa das estrelas, pois mesmo que os céus se apagassem e não houvesse esperança em lugar algum, ele ainda estaria repleto de luz se ela estivesse ao seu lado, porque as estrelas são desnecessárias quando o amor está ali, a poucos centímetros de si.
Se tivesse coragem, tomaria o rosto daquela garota nas mãos e diria que não via razão para que ela quisesse tanto ver estrelas, sendo que bastava um espelho para que ela enxergasse o mais belo brilho do mundo. Dito isso, ele traria o rosto dela para perto e mostraria por que estava ali e sempre esteve ao seu lado. Falaria depois todas as lindas coisas que queria dizer sobre amor e as coisas que o rodeiam e a roubaria para si para sempre.
Se tivesse coragem, se ela aceitasse.
Sua coragem é falha, principalmente quando se tratam de palavras a serem ditas. Elas sobem até o meio da garganta e se desfazem num nó, que não permite nada além de lágrimas. Palavras são difíceis de tornarem-se reais e a coragem não parece estar ao alcance dele e mesmo quando está ele não se permite tocá-la. Ele então suspirou e olhou para o céu outra vez:
- Sim, são lindas as estrelas.

Faróis distantes...

Incerteza da vida...
Voltou crescendo a luz acesa avançadamente,
No acaso do olhar perdido...

Álvaro de Campos.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Chore, senhor.

Tanta dor num só olhar, o que você carrega neles, senhor?
Olhos tristes. Claros e tristes. Quando você sorri, eles ainda são tristes. Carregam uma dor profunda, bem ao fundo, que qualquer um que repare pode enxergar. Não posso saber por que eles são tristes, também não posso afirmar se de fato o são ou se meus olhos que os vêem assim, mas quando os encaro, sinto uma dor no peito, um aperto, que seja, não sei, mas dói. A dor dos seus olhos dói em mim.
Tristes sim, tristes.
Lindos olhos tristes você tem. E me intriga não poder definir o que é de fato esta tristeza que eles carregam. Pode ser o peso de odiar a quem mais ama, ou o vazio de ser amado por desconhecidos. Pode ser a falta de emoções, ou o excesso delas. Tanto sofrimento cabe nos teus olhos que eu não sei definir quais são os mais graves. Talvez ninguém te entenda, talvez queiram tanto entender-te que acabam sendo invasivos e só aumentam tua dor. Talvez você só queira que ninguém se importe com as suas dores e por isso as tente esconder dentro dos olhos.
Nunca te disseram que os olhos são a porta para a alma? Sua porta está entreaberta, senhor. Eu tento ver o que se esconde atrás dela, mas tudo o que entendo é que há sofrimento, isso há. Mas quem sou eu para decifrar as dores alheias? Eu que nem sei quais são as minhas, eu que nem sei abrir as portas da minha alma para mim. Você tenta esconder, mas não consegue. Você tenta parecer duro e rude, tenta ser indiferente, tenta mostrar ao mundo que não se importa. E talvez consiga mostrar ao mundo todo, mas não a mim.
Eu não te conheço, senhor. Não faço idéia do que se passa no seu coração, nem hei de fazer algum dia. Alguns acham que sabem e que podem sair dizendo por aí o que existe dentro de você. Tolos, não sabem de nada. O pouco que sei serve para dizer: desista.
Desista, senhor, desista do que não convém fazer. Desista de tentar agradar aos outros e a si mesmo. Desista de ser perfeito, mesmo que às vezes consiga. Desista, meu senhor, desista. Desista que logo te deixam em paz, e por mais que a sua desistência cause dor em outros, continue mesmo assim. Mas não finja mais. Eu posso ver que você sofre, não tente esconder. Não tente mais fingir indiferença no que diz, não coloque sentimento apenas no que escreve. Abra esta porta ou tranque-a de vez, não a deixe assim, entreaberta.

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.

Álvaro de Campos.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Um Susto, um Segundo.

Às vezes, ao tocar no fogo, você não se queima.
E talvez se queime, mas a dor não aparece. É rápido e não é fatal, apenas acontece e não tem conseqüências. Você sente o calor e busca pela dor que deveria chegar, mas ela simplesmente não vem. Foi só um susto, um segundo.
Há quem se sinta assim em relação ao mundo. Um calor, tão repentino que passa rápido, sem que haja tempo para descobrir de onde surgiu e o que causará. Não chega a ser um prazer nem uma dor. Um susto, apenas um susto e de repente tudo volta ao normal. O sofrimento antecipado de uma dor que nunca vai começar. Um grito que surge e nunca sai da garganta.
Não, não há alívio, mas sim vontade de gritar. E eu quero o grito.
Talvez eu queira sentir a dor. Porque talvez, a dor seja o sentido de tudo, a magia das coisas. Talvez seja a única coisa que importa de fato. Sem dor não há cura, e dessa forma aquela constipação da vida talvez nunca acabe.
Não entendo tantas coisas, e de tanto querer entendê-las, acabo com toda a verdade que elas carregavam, tornando-as vazias para mim antes de senti-las de fato, minhas queimaduras sem dor.
Não, nunca me permitam findar a vida numa grande chama indolor. É preciso sentir para compreender a complexidade do não saber das coisas. Preciso de dores e certamente dos analgésicos. Mas é preciso que eu sinta alguma coisa para que possa gritar em plenos pulmões com toda a vida guardada sem propósito. Urrar de dor, sentir na pele o mundo de fora e depois da cura, sorrir com o alívio das coisas que aconteceram. Sorrir com o prazer de nada ter se perdido. Sorrir.
Não, não quero sofrer.
Este nada não é sobre sofrimento.
É sobre sentir. Apenas sentir.

Quem sente somos nós,

Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.

Nada! Não sei...

Um nada que dói ...

Álvaro de Campos.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Não, não Quero Ouvir

Em algum momento, na parte que cabe a mim, o mundo silenciará.
Nenhum ruído, nenhum arfar, nenhum sinal de proximidade. Todos os sons existentes serão os que eu queira escutar. Dentro de um novo plano, as coisas estarão do jeito que eu nem sempre quis, mas que hoje quero.
Eu hoje quero o silêncio e algumas lágrimas, quero indiferença. Eu quero o calor do sol na pele e a total ausência humana ao meu redor. Quero ser só eu e os meus pensamentos, que contam por muita gente. Quero o prazer do estar só combinado à perturbação de falar comigo mesma. Quero a esperança de que o mundo há de calar-se sempre que eu precisar dele calado e há de gargalhar quando eu precisar de uma risada. Quero a luz atravessando as pálpebras e o cheiro de nada em lugar algum. Quero estar onde cri que estaria nos meus sonhos solitários, nos meus dias de pouca gente. Não quero ouvir vozes, não quero ouvir respirações nem sentir presenças.
No dia em que o mundo silenciar eu quero apenas ser eu e quero o mundo pálido e escondido atrás de qualquer lugar. Quero saber onde ele está, mas não quero que ele saiba onde estou. Não quero que ninguém se importe comigo, mas quero continuar me importando com quem me convém. Não quero falar, não quero sorrir, quero perder o sentido para o resto. Quero ouvir a voz doce do silêncio e sentir que de fato estou só como nunca estive antes.
Quero o mundo quieto, calado.
Quero um lugar escuro onde eu já não veja por onde ando, e quero tropeçar antes de chegar ao destino que não sei qual é. Mas quero ter a certeza de que há um destino.
Não quero me calar, quero falar sempre que tiver vontade, e dizer o que tiver vontade. Quero ter muitas vontades. E não quero conquistar todas. De imediato, só as vontades mais estúpidas como a de sair correndo com os olhos fechados, e ter a certeza de que nada estará no meu caminho. Eu não quero ser. Hoje, no silêncio em que eu gostaria de estar, eu quero apenas estar. Estar. Estar e sentir que estou onde devia, e se não estiver onde devia, que eu sinta a adrenalina de fazer o oposto do que me pedem.
Não quero que perguntem por mim.
Quero que me esqueçam, e hão de esquecer!
E quero acordar deste pesadelo que é desejar tantas coisas estúpidas ao mesmo tempo. Quero não sofrer com o não querer. Quero ser por fora tudo o que tento não ser por dentro e sentir tudo o que tenho procurado evitar. Quero não me importar com as vozes e as respirações, e esquecer que existe um mundo ruidoso ao meu redor. Quero que a terra não pare nunca de girar e o tempo nunca pare de passar. Quero a felicidade de ser o que quero e a tristeza do erro casual.
E quero num apelo silencioso, no fim do dia, uma lua cheia, cheia de coisas para me mostrar. Quero nuvens e uma chuva forte, torrencial, que lave a minha alma e rompa enfim meu silêncio querido.

Esta velha angústia,

Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Álvaro de Campos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Mais um Nada (de Amor)

Ninguém sabe como um amor começa ou como ele segue em frente e, nem por fim, como ele termina. Ele apenas surge, cresce e acaba. Como nós, mortais.
De uma forma ou de outra, ele acaba, nem sempre no sentido literal da palavra, mas em algum momento perde parte do significado que tinha no princípio.
E aos que discordam, sustentem suas idéias e creiam nelas. Não duvido nem nego, apenas tenho as minhas próprias opiniões, que não são a verdade absoluta do mundo, mas a minha verdade absoluta.
Em todo caso, eu e você sabemos que finito ou não, o amor é a coisa mais inacreditável da existência humana.
O amar e ser amado, é sobre isso que eu falo.
O fato de que entre bilhões de pessoas no mundo, duas se olhem como se fossem únicas. Que em bilhões de pessoas no mundo, só se queira uma e esta, por sua vez, queria quem a quer. Que exista uma coisa mais forte do que tudo, que é capaz de devastar e erguer universos inteiros. E que esta coisa esteja dentro das pessoas.
Tão soberano que não faz diferença entre cor, classe, crença ou qualquer outra ficção social. É amor. Para qualquer um em qualquer lugar é amor, tão amor para este quanto para aquele. Amor. Amor para qualquer um. Amor dos poetas, dos músicos. Das novelas e do teatro. Amor, sempre amor. Por toda parte ele surge, cresce e acaba.
Por toda parte quebra e reconstrói corações. Por toda a parte acontece ou é superado. Um problema e uma solução, por toda parte do mundo, por toda parte de nós.
Ele não é pouca coisa e não é por sentimentalismo barato que algumas palavras estúpidas tentam descrevê-lo, há séculos pessoas falam sobre isso. Há tempos que o tema favorito e dominante nas poesias é ele. O amor, seja como for, sempre ele. Séculos, séculos e séculos e ninguém se cansa de falar sobre ele, de ouvir falarem dele. Séculos e séculos e as donzelas continuam chorando, e os cavalheiros lutando. Séculos e séculos e eles ainda se beijam apaixonadamente no fim da história. Séculos, séculos e mais séculos e a idéia não muda. Mas quem disse que ela deve ser mudada? Nós a queremos assim, choraremos no fim, não importa quanto tempo passe. O amor é atemporal e anti-modismos, é e sempre será o centro das atenções.
Isso tudo porque o amor é forte. Muito mais do que forte, indestrutível. Quando um amor é real, ele é indestrutível, a maior das barreiras. E há ainda quem não creia nele, é possível? Há quem despreze seu valor. Protesto! É de todos os tesouros, todas as riquezas, toda a inteligência e beleza e tudo o que vale nesse mundo, exatamente tudo, a melhor e mais sólida grandeza de valor, porque todas, uma por uma dessas coisas sozinhas não são mais do que acessórios. Servem claramente para muita coisa, podem levar um ser humano ao mundo, mas nada disso faz com que o mundo importe de alguma forma para ele.
O amor faz sofrer. Nada no mundo causa tanto sofrimento quanto o amor. Ele pode ser duro, cruel. Pode acabar com grandes homens, desfazer uma pessoa. Pode ser o grande vilão de uma história. Pode ser a mais pura e insuportável dor que já existiu.
Mas ainda assim, é amor.
E se por um lado faz sofrer, por milhares de outros é a cura para qualquer sofrimento. É a paz e a tranqüilidade, o remédio, a sutura. É o respirar, o acordar. É o simples existir de quem ama e quem acredita que além do amor, nada mais é necessário. Ah, que virtude é sentir!
Que virtude é acreditar e viver no amor! Que dom é ser mais um poeta, mesmo sem palavras, que tem as poesias mais lindas escritas dentro de si. Ah, que virtude é sentir o que os outros não acreditam existir. Que dádiva é viver por alguém, e ter alguém que viva por si. Que beleza é o amor.
Afinal, se estamos aqui é por amor.
Se eu escrevo essas linhas, é por amor. Se você as lê, é por amor também. As coisas que fazemos por vontade própria são fruto do amor. Sim, estamos aqui por amor. E continuaremos, sempre que tivermos um amor para nos encorajar.


O amor é uma companhia.
Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo gostar bem de ir vendo tudo.
Alberto Caeiro.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Que Bela é a Chuva!

De onde estou escuto a chuva.
Ela cai lentamente, como um copo que se esvazia aos poucos para uma garganta. Bem sabes que a chuva não é lenta, que é forte e poderosa, mas se estás lento, ela será lenta para ti também. Bem sei que noto a chuva e ela, que está por toda a parte, não pode me notar. Que ela me molha como molha aos outros, que acaba no meu telhado como acaba nos outros. Tão essencial, tão sombria, tão indiferente, mas que bela é a chuva!
Tantas glórias dão os poetas ao sol e à lua que esquecem que as tempestades têm seus valores. Quando chove, a escuridão trás consigo um torpor que vem de dentro, ou até a boa e velha solidão que chega como um sopro que permanece e não cessa até que mudes de direção e saia de seu caminho. O vento e a solidão são algumas das melhores coisas da chuva.
De certo modo, vulgarizaram a solidão, assim como fizeram com a chuva.
Ela não é má, quem assim a julgou não sabe o que realmente significa. É tão bela quanto a chuva, tão válida quanto a umidade. Basta que a vejas como uma brisa leve, que vem junto com a chuva fina que cai nas ruas. Não é uma ventania se não surge de um temporal. Ah, o estar só! Tão suave e confortante que não me remete ao vazio.
Há quem diga que a chuva é tão dura quanto as lágrimas e a solidão tão cruel quanto um torturador. Não as condene, são de bem, eu sei que são. Não estão aqui para fazer sofrer, mas sim pra apagar um pouco as intensidades das idéias.
Não, não é preciso pensar quando chove. Abre a janela, ouve o leve estourar das gotas e sente a essência que exalam por onde passam. Não é claro nem colorido, não é animador nem alegre, mas é bom, de alguma forma que as palavras não podem dizer, é muito bom. Muitas coisas boas vão além do que dizem os poetas.

Num dia no meu futuro em que chova assim também
E eu, à janela de repente me lembre do dia de hoje,
Pensarei eu "ah nesse tempo eu era mais feliz"
Ou pensarei "ah, que tempo triste foi aquele"!


Álvaro de Campos.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Das Lembranças às Cicatrizes.

Dos amores e dos sofrimentos que viveu, não lhe sobrou um só retalho, um pequeno detalhe que fosse. Não guardou presentes nem memórias, tentou esquecer-se de tudo como vinha fazendo com a vida. Não quis lembrar-se de nada, não queria dores nem rancores, queria apenas partir livre para viver novamente. Contudo, em algum momento de sua história, ele quis rever os passos de seu caminho, mas estes já não faziam parte de si. Sem dar chances ao arrependimento, convenceu-se de que havia feito a coisa certa e seguiu em frente, fingindo não estar ferido pelas escolhas feitas, mesmo que em certos momentos se remoesse por dentro. A seu ver, era o melhor a fazer. Seguir em frente, sempre.
Não, não o julguem leviano.
Memórias, o que são? Por que as guardar com tanta fidelidade e devoção? Para que de fato as ter? Ele tinha as respostas, e eram válidas para erguer seus princípios: nada, por nada, para nada. E quem há de culpá-lo? Talvez alguém que nunca tenha parado para analisar muitas coisas que faz, vive e consente, ou um dos seus amores esquecidos e talvez eu, ou qualquer outro que tenha a mania de se colocar em histórias alheias ou queira colocar o mundo todo nos seus conceitos inválidos.
Mas nenhuma dessas pessoas de fato importa. Felizes daqueles que erguem seus princípios e têm a coragem de crer neles sem dar valor às acusações alheias. Só por fazê-lo já são grandes pessoas. Ir contra os padrões, viver de outra maneira, ser você mesmo com suas crenças e valores é o tipo de coisa que só os fortes são capazes de fazer. Os outros sim são vítimas banais dos costumes, das memórias, deste grande e insensato molde no qual fomos inseridos ou nos inserimos, e mesmo estes, quem há de culpá-los?
Se não acredita nas lembranças, não as cultive.
Se não acredita no amor, não ame.
E se no fim de tudo não acreditar na morte, viva, apenas viva.
Só não se coloque numa redoma criada por suas idéias nem pense que ela é segura, pois talvez um dia, assim como aquele que não queria lembrar-se de nada, você sinta vontade de viver o que não faz parte dela e será difícil libertar-se.
O passado pode ferir e certamente doerá, mas no fim de tudo, toda ferida vira uma cicatriz, cicatrizes são histórias e histórias sempre são coisas boas.


Sim, o mistério do tempo.

Sim, o não se saber nada,
Sim, o termos todos nascido a bordo
Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

Realidade, Álvaro de Campos.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Às Duras Decisões.

Um dia, quem sabe, ela se decida por não sonhar mais. E quando os raios deste dia a atingirem, ela verá que já não é mais uma criança e que deve pensar como uma pessoa séria, usando a racionalidade e calculando a vida meticulosamente, sem deixar-se levar pela imaginação que há tempos regia seus caminhos ou pelas vontades de menina que tinha em seus sonhos. Alguém lhe dirá que já era em tempo, que esta é a decisão que todos devem tomar numa certa altura da vida, mas ninguém lhe dirá que ser sério em tempo integral não é uma virtude e sim uma perda inestimável da vida.
Então, enquanto estiver se reeducando para não mais ver o mundo por uma bolha cheia de cores e sons falsos, alguém ao seu lado estará aproveitando toda a magia e todo o encanto que vai além do que os olhos podem ver, e talvez este alguém sorria para ela. Ela não sorrirá de volta, pois não é o que se espera que uma pessoa séria faça. Sofrerá por não ser o alguém, e talvez até tenha vontade de voltar atrás e ser mais uma vez a menina que acreditava nas fadas e na bondade, mas antes que o saudosismo a possua por inteiro, o mundo real a chamará de volta para as coisas sérias que lhe dizem respeito.
E ela certamente irá sofrer e chorar, pois quem lhe disse que os sonhos não serviam de nada ocultou a necessidade mórbida que todo ser humano tem de sonhar acordado com o mundo irreal e ideal. Ninguém lhe disse que os sonhos fortalecem e que a ausência deles faz de uma pessoa uma rocha oca, forte por fora, mas sem nenhum valor por dentro, fraca e inútil para os outros para si mesma.
Com o tempo, ela verá que decisões nem sempre são definitivas e que a coragem de voltar atrás e refazer a própria história é uma virtude e tanto. Olhará então para aquele alguém que sabia ver a vida do jeito que ela sempre quis e pedirá ajuda. Verá que pedir ajuda também é coragem e se irá sentir-se forte e indestrutível. Aos poucos, deixará de lado suas vãs convicções e idéias manipuladas, voltará a sorrir para a vida e não mais irá basear-se em números, mas sim em sentimentos. O alguém sorrirá mais uma vez e agora ela estará pronta para sorrir de volta com toda a sinceridade, alegria e o infinito de sentimentos bons que cabem num sorriso.
Sim, os sonhos perdidos podem ser reencontrados.
Sim, a vida perdida pode renascer.

Tudo o que ela precisa é ser livre como uma criança, sonhando como gente grande.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.

Tenho, Álvaro de Campos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Começando pelo Fim.

Ele podia buscar o mundo, mas não quis.
Ele podia estar num outro mundo, mas também não quis.
Ele podia ter sido muitas coisas, mas não foi nenhuma delas.
Tudo o que ele quis foram aqueles olhos que o fizeram achar que conquistaria o mundo, que estaria num outro mundo e que seria muitas coisas. Acreditou tanto neles que esqueceu que nada aconteceria sem o seu primeiro passo. Envolveu-se tanto na sua luz que se esqueceu das trevas, que estavam por toda parte.
Mesmo assim, viveu da luz e não se afastou dela até que toda a luminosidade, que o mundo julgava efêmera, enfim partiu e o deixou na penumbra que ele se recusava a enxergar. Seu mundo era tão pequeno que quando caiu não gerou o mínimo estrondo. Caiu em silêncio, leve e suave como uma folha de papel, e se em algum momento pensou ter sentido alguma dor, notou que ela era apenas mais uma das inúmeras fantasias que criara em volta de si. Não, a dor não existe. A fraqueza e a falta de coragem são reais, mas a dor pelo fim é pura imaginação, pois ele já não era mais nada e não se destroem ruínas uma vez que elas já estão praticamente destruídas. Os olhos que lhe fizeram achar que suas ruínas eram castelos já não faziam mais parte dele e não podia agir como se fizessem.
Porém, quando tentava recompor seus pedaços, viu que ruínas têm tanto valor quanto castelos. Apesar de derrotadas, ainda existem e intrigam já que um dia foram algo para alguém. E por mais que demore, um dia todo castelo nada mais será que uma ruína, triste e fraca das coisas que já lhe fizeram grande. Partindo disso, decidiu então não restaurar-se dia após dia, não no mesmo lugar, pois aquele já era seu patrimônio histórico e não era ético tocar nele.
Não, não irá se reconstruir.
Fará melhor, no espaço que lhe sobrou, criará um projeto novo, com vista para o antigo, para que nunca se esqueça deste nem de quão belo foi, mas saiba sempre que de fato após a tempestade vem a bonança e que sempre terá forças para erguer não só castelos, mas reinos inteiros.


Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes, Álvaro de Campos.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Vazio, doce Vazio.

É bom não precisar ser nada.
Existem dias que amanhecem frios e escuros e nesses dias, a claridade não se faz necessária. Nesses dias, eu sou só mais uma gota de chuva que não precisa ser nada e nem sabe por que está onde está. Ela apenas existe, e isso basta. Eu não preciso falar com ninguém ou sentir nada, eu só preciso estar onde estou, comigo mesma, vivendo um momento completamente desnecessário, que não contará nada para ninguém e por mais que eu não precise dele, não o rejeito também.
Não é preciso falar, nem sorrir, só é preciso existir por você mesmo.
Nesses dias, não importa que existam milhões de pessoas vivas por aí procurando o que fazer, ou tentando se desfazer de algo, não importa que o mundo gire, que a as vozes ecoem, que as crianças chorem, que o universo esteja se expandindo ou as geleiras estejam derretendo. Hoje não importa, e não me lembro de nada, só que quero estar aqui por mim e nada mais. Não se trata de egoísmo ou egocentrismo, nem amor próprio, nem nada. Exatamente nada. Não tem uma razão ou um objetivo. Não é nada hoje nem vai ser nada amanhã.
São tão poucas as vezes que podemos fingir que não existe nada ao nosso redor. Tão poucos os dias frios e escuros e tão poucos os momentos de mente vazia que quando eles ocorrem, é preciso aproveitar ao máximo o alívio e paz que trazem.
É bom não existir por um dia, vocês deviam tentar.


Chega através do dia de névoa alguma coisa do esquecimento,
Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda.
Adormeço sem dormir, ao relento da vida.

Chega Através, Álvaro de Campos.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Cada vez mais Nada.

Muitas vezes quero dizer coisas que não existem, falar sobre sentimentos imaginários e situações irreais.
Muitas vezes confundo o real com o absurdo a tal ponto que nem sei mais em qual deles vivo.
E não sei mesmo. Não encontro a fronteira entre os dois extremos, o mundo ao meu redor me faz sentir tão insignificante e ao mesmo tempo me encoraja, me levando a não saber qual dos lados é verdadeiro.
Sinceramente, tudo me parece real, tocável e verdadeiro. Às vezes a imaginação é mais sólida que a realidade e a realidade tão vulnerável quanto nós mesmos.
O real consome, cansa, aborrece e o imaginário é seu e só seu.
Se alguém não se cansa de tantos dias cheios de nada, por favor, me ensine a ser igual.
Nada não quer dizer nada no sentido literal da palavra, mas um nada pessoal. Um nada que é muito e que não diz nenhuma coisa relevante. O nada que é nada simplesmente por não fazer diferença. O nada que está ali como sempre esteve e não importa se vai permanecer ou não. O mesmo querido nada de sempre.
O nada que é a realidade que vivemos, cheia de coisas e cheia de nada.
E talvez o meu nada seja muito, mas eu sou pequena demais para reconhecê-lo.


Ah, não sabias,
Felizmente não sabias,
Que a pena é todos os dias serem assim, assim:
Que o mal é que, feliz ou infeliz,
A alma goza ou sofre o íntimo tédio de tudo,
Consciente ou inconscientemente,
Pensando ou por pensar
Que a pena é essa…

Vilegiatura, Álvaro de Campos.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Entre a Sorte, o Querer e todo o Resto.

Sorte.
Não soa bem, não gosto desta palavra.
Não justifica nada e nem o azar, seu variante, me explica qualquer desgraça, contudo, não tenho uma teoria melhor para explicar as coisas boas que acontecem de repente e não me atrevo a dizer que não creio na sorte sem antes ter argumentos para contestá-la.
Poucas vezes na minha vida disse com todas as letras “estou com sorte”, e de uns tempos para cá até tenho reconsiderado minha opinião. Mas em todo o caso, duvido sim, não só por não vê-la com freqüência, mas também por confiar mais no mérito que no acaso, ou querer muito mais o mérito do que a sorte do acaso.
O que desejo quero ter por merecimento, não simplesmente por sorte, e mesmo não sabendo bem o que desejo, tenho meus princípios que, coerentes ou não, me fazem querer loucamente conquistar pouco a pouco tudo o que eu venha a querer um dia.
Às vezes exagero, eu confesso.
Mas penso em tantas coisas seguidas que acabo me perdendo nas idéias e as intensifico quando reencontro. E quando penso nas coisas que já sonhei em ser e em fazer, vejo que nada me seria válido apenas por sorte. O grande por sorte se diminui tal que o fato aumenta e o ser que o executa torna-se insignificante. Quero ser a responsável pela minha sorte e não que ela venha até mim.
Eu quero estar no topo não por obra da sorte, mas por minha própria obra e não quero culpar o azar pelas minhas quedas, pois isso é o que os fracos fazem.

Não dispenso a sorte, mas quero ir muito além dela.

Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

Passagem Das Horas, Álvaro de Campos.


sexta-feira, 1 de maio de 2009

Difícil porém simples.

Hoje, e só hoje, deixei a metafísica.
Hoje, e só hoje, quase não pensei.
E pensar para quê?
Penso, logo existo, e me perco, e me encontro, e me perco novamente e isso nunca, nunca, nunca acaba. Por isso um dia livre de pensamentos grandes e pesados é certamente mais simples do que aqueles em que minha mente implora por misericórdia, não? Sim, embora eu seja masoquista e goste de carregar o fardo. Pensar é a única coisa que me resta quando me sinto incapaz de fazer algo e quando penso, sonho e crio mais um pedaço do meu mundo que talvez nunca deixe de ser metafísico, mas quem se importa?
De fato, hoje não me importo.
Ao inferno toda a metafísica e todo sentimento estúpido que não seja o que eu sinto agora, tenho hoje o que preciso não só para me manter em pé mas também para impulsionar meus passos e quem sabe até meus saltos.
Hoje sonhei sem pensar antes. Sonhei com o livro na mão. Livro de capa e páginas, não era apenas minha imaginação se perdendo outra vez. Hoje desejei ser como eles e sei que não serei igual, mas posso chegar perto. Hoje quero ser um pedaço de todos aqueles que escreveram e que mereceram ser os melhores. Hoje eu não pensei, apenas sonhei, mas o fiz acreditando e não duvidando. Hoje pensei como quem quer e conseguirá e conseguirei, acreditem, eu conseguirei.

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!

Reticências, Álvaro de Campos.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Já que estou aqui, irei.

A vida sempre te surpreende, mesmo quando você acha que já sabe de tudo.
Tem dias que eu não sei se acredito no que sinto ou no que vejo. O que vejo é real e nunca parece se aplicar a mim. O que vejo nos outros e o que eles me dizem nem sempre me convence, ou quase nunca me atinge. Acredito mais no que sinto e nem sempre sinto as coisas do jeito que elas deviam ser. Eu sempre quis saber no que acreditar e para que acreditar. Sempre vi a vida de um jeito confuso, numa combinação nada harmoniosa de fantasia e desilusão.
Eu queria saber o jeito certo de ver a vida. Não é possível saber de tudo e há poucas horas tudo o que eu desejava era ter todas as certezas guardadas em mim, mas de repente eu vi que prever o mundo não faz uma pessoa ser melhor.
Viver, isso me faz melhor.
Posso não viver o novo todos os dias, e talvez muitas vezes eu desacredite em mim, na vida e no mundo. Mas uma hora os sonhos reais sempre acordam e te fazem querer crescer.
Sim, hoje eu estou pronta para viver.
Amanhã eu posso não estar, mas hoje estou. Minhas convicções não importam agora, o que importa é a sensação de que tudo pode dar certo e que, pelo menos por hora, acredito em mim e sei que sou capaz. Quero estar sempre assim, acredite, é o melhor que eu já fiz por mim.


Vim aqui para não esperar ninguém,
Para ver os outros a esperar,
Para ser os outros todos a esperar,
Para ser a esperança de todos os outros.

Vai pelo Casi Fora, Álvaro de Campos.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Digo e repito.

Quanto ao amor, acredito e sou devota.
Está na minha natureza amar ao amor, ninguém jamais poderá tirá-lo de mim. Me encanta vê-lo nos outros, me emociona tê-lo em mim e me destrói vê-lo acabado. Amo até os amores que não me pertencem, vejo o amor onde quer que seja, onde ele talvez nem exista. Eu o idealizo e sinto seu brilho por toda parte. Sei que ele existe, eu posso ver.
Continuarei crendo na sua imortalidade até que me provem o contrário. Estarei atenta ao seu nascer toda vez que estiver ao meu redor. Continuarei amando ao amor com o fervor de uma beata pois o temo e creio nele, e sei que quanto mais rápido eu desacreditá-lo, menos tempo terei para sentí-lo.


Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.

Ridículas, Álvaro de Campos

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Para ninguém.

Mas afinal, alguém pode me dizer o que somos?
Máquinas perfeitas, mentes complexas. Alguns gênios, outros não, mas todos com algo a ser explorado. E por quê? Para quê? Temos uma razão, deve haver alguma razão para existirmos. Somos uma crianção grandiosa demais pra simplesmente morrer e acabar.
De todos os meus medos, esse é um dos maiores.
Acabar, sem deixar nenhuma marca. Não vencer, apenas viver e morrer. Estou certa de que não nos enviaram até aqui apenas para sobreviver aos desníveis da sociedade mas também para fazer algo mais, pois temos potencial para isso. Não fomos criados para benefício próprio, deve haver algo por trás da nossa existência. A credito que somos criados uns para os outros, numa relação de salvamento mútuo. Não cabe a mim viver apenas a minha vida. Quero mais, quero fazer parte de várias vidas e salvá-las diariamente, assim como quero ser salva sempre que preciso.
Não vejo sentido na vida de quem vive para si só. Somos fortes e fracos, ricos e pobres, pequenos e grandiosos, sempre mais e menos, alguns mais ou menos. Há sempre algo que pode ser feito, não importa como, mas há sempre um ponto que pode ser trocado por uma vírgula. Afinal, olhando para mim, vejo que não sou nada, e que de fato, como disse Álvaro de Campos, nunca serei nada e todos sonhos do mundo que tenho em mim devem servir para alguma coisa.

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!

Tabacaria, Álvaro de Campos.

domingo, 19 de abril de 2009

Ainda que me sufoque.

Às vezes o que sinto é um medo de sonhar, como agora.
Medo de sonhar com coisas que nunca serão verdade, medo de acreditar demais em mim. Medo de no fim, ver que fui tola por pensar que seria tantas coisas, que faria tantas coisas.
Mas na maior parte do tempo, sonho alto.
Sonho alto e sem medo. Acredito em possibilidades sem nexo, às vezes até estúpidas. Me vejo abraçando o mundo, amando, vivendo, num futuro que não passa de um sonho. Para uma pessoa com tantos altos e baixos, sonho com certas extravagâncias e exageros incomuns. Para quem acredita tão pouco no presente, parece absurdo imaginar e fantasiar um futuro assim, tão incrível.
Talvez seja assim pois sempre penso que amanhã minha vida vai começar. Sonho com um momento em que as coisas começarão a andar. O exato momento em que eu descobrirei quem eu sou e por que estou aqui, descobrirei meus talentos, meus vícios e virtudes. O momento em que terei a alma completa o bastante para começar o que devo fazer.
Mas enquanto isso não acontece, me limito a escrever sobre coisas que talvez não façam sentido para quem as ler algum dia, e talvez não façam sentido algum nem para mim, mas confortam e geram mais um turbilhão de sonhos que, inúteis ou não, vão formar uma parte de mim algum dia ou então serão simplesmente a prova de que apesar de tudo, sempre acreditei que podia algo mais.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Tabacaria, Álvaro de Campos.