terça-feira, 6 de outubro de 2009

Quando Já é Tarde Demais

Olhar de perto uma vida que se vai, que grande tristeza...
Uma ponta de pânico apertou o peito quando todos os olhares se voltaram para ele. Era a hora do início das últimas horas. Tudo estava por um fio do fim e ele sabia disso, ele e aqueles que o rodeiam. A vida já era uma última gota, prestes a evaporar. Havia tão pouco tempo para fazer o que não estava feito que não seria possível escolher quais erros deveriam ser reparados ou desejos realizados.
O olhar caído e doente já não guardava o brilho que tinha quando a ansiedade pelos acontecimentos futuros lhe dava novas cores para a vida. Aqueles olhos não eram os mesmos de antes, não havia de fato mais vida neles, pois o que é a vida senão uma porção de esperanças, que vão levando ao futuro? Não havia ali mais esperanças, apenas a espera que ia apagando uma a uma as chamas que o mantinham aceso.
Olhou ao redor em uma prece silenciosa para que automaticamente seus pecados fossem perdoados não por Deus, mas pelos que de fato importavam. Aqueles que quando não sabiam que sua vida estava se esvaindo, afirmavam que não havia perdão e hoje, ao olhar seus lábios débeis entreabertos num pedido de desculpas, fingem esquecer o que de fato os levou até lá, para que o doente morra em paz e possam tripudiá-lo assim que a terra tomar o corpo.
Ele não era o mais puro dos seres humanos e sempre agiu de acordo com seus interesses. Estava errado? Não sei, quem o poderá julgar? Só é certo que ao longo do tempo são feitas escolhas e quem opta por si não pode desejar a humanidade e se o faz sofre arduamente.
Ocorre que o eu não basta. Não basta ter a si só, os outros são necessários. Por mais que ele se julgue independente e pouco se importe com os demais, no fim, quando menos tempo havia para entender as coisas, ele compreendeu a importância de se ter tudo e a todos.
Ele compreendeu que fracos são todos, mas aqueles que estão só são inúteis, acabados. Que não há vida sem outra vida, que não há indiferença mas sim ignorância no desejo de ser por si e por mais ninguém. Ele viu enfim que as coisas não fazem o mínimo sentido quando estão chegando ao fim e que quanto menos tempo se tem mais coisas se quer fazer. Ele compreendeu a diferença e entre pena e compaixão, tão citadas pelos espiritualizados e tão inúteis no seu ponto de vista vivo e ativo.
O ponto de vista morto e doente sonhava dia e noite com uma ação passada que inspirasse em alguém uma gota que fosse de compaixão, pois para pedir amor já era tarde demais. Tudo o que tinha, no entanto, era a mais sórdida pena de alguns e a idéia de confirmação do fado sendo exalada por outros. Foi merecedor do que passou, de todas as dores, todos os tormentos? Foi merecedor do abandono?
Bem, merecemos todos nós a morte, não?

"Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem.

Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?"
Álvaro de Campos.

2 comentários:

  1. quando já é tarde demais..................
    será q nos só pensamos no hoje e esquecemos do amanha?...

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  2. QUE TEXTO PER-FEI-TO! lindo, lindo e liiindo! Parabéns! :D

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