quinta-feira, 24 de junho de 2010

Prisão

Há uma janela imensa e dentro dela cabe o mundo.
Por ela eu vejo tudo o que acontece e posso escolher o que convém e o que não convém a mim. As coisas gritam, cintilam, e eu arrasto minha cadeira para a beira da janela e procuro não perder um sopro que esse mundo dá. Eu vejo, mas não toco.
Nada ali me pertence, não há um plural entre nós. Há eles e eu e todo o resto que se amontoa nas entrelinhas do meu espaço visível. Eu assisto a cada evolução deles, enquanto permaneço parada, chorando, sorrindo. Por eles, não por mim. Eu vivo a vida deles, sinto as emoções deles e sorrio quando a felicidade deles me comove.
Não pareço existir. Assim como a energia do produtor se perde a cada nível trófico da cadeia, as sensações chegam a mim enfraquecidas, quase imperceptíveis. Esforço-me em torná-las palpáveis, para que me vejam e venham me contar melhor o que se passa. Aceno, eles não veem. Grito, eles não ouvem. Ao que parece, esta janela me prende a um submundo, um universo paralelo onde eu sou a única habitante. Há de fato vida além daqui ou eu mesma sou mais uma ilusão?
Certa vez eu acenei, e alguém sorriu para mim. Não sei se foi exatamente para mim ou se apenas veio em minha direção, mas para manter aceso o fogo da vida obrigo-me a ter a certeza de que era meu o aceno. Pergunto-me todas as noites, quando fecho a janela: se é verdade, e se aquela pessoa pode me ver, por que ninguém mais pode? Por que é que eu sou a única a perceber onde estou e quem sou? Por que estou presa a esta janela empoeirada, sem perspectivas ou sonhos plausíveis? E acima de tudo, por que diabos não consigo simplesmente pular a janela e encontrá-los?
Por trás disso tudo, de mim, da janela, do mundo, das pessoas, há transição livre entre verdade e ilusões? Sendo assim, sou eu a única que jaz em um leito esculpido na mais sórdida realidade, pálida, quieta, sufocada dentre os sonhos alheios? Olhem para mim, olhem! Respondam. Sejam francos, me esclareçam, me fortaleçam. Por que não podem me ver?
Repito para mim todos os dias que este mundo que sente e sofre e vive não pode me ver. Seria cruel demais se me visse mas ignorasse. Eu não suportaria a idéia da indiferença. São tantas as vezes na vida que cremos no que queremos! Com toda eloqüência que almejo ter, esbravejo, enlouqueço, peço aos céus e a terra que me movam daqui. Quando me canso, só peço ao mundo que me traga mais perfumes e que assim eu sinta pela pele o que não conseguirei produzir a partir das flores. Elas estão todas do outro lado da janela.
Com as forças que me restam, puxo a cadeira e me sento outra vez. Olho o mundo cego e escondo a pior coisa que me vem a cabeça num lugar onde eu não possa vê-la. Eu sei que ela está ali, mas não ouso tocá-la, não me leva a nada. Sofro. Sorrio. Assisto a tudo mais uma vez.


Vi sempre o mundo independentemente de mim.

Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,

Mas isso era outro mundo.

Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.

Acima de tudo o mundo externo!

Eu que me agüente comigo e com os comigos de mim.

Álvaro de Campos

3 comentários:

  1. amiga. achei muito lindo o seu blog. os temas são muito criativos :D
    me segue também e comenta ta ? bgs
    http://fersilverio.blogspot.com/

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  2. texto legal!! estou te seguindo, vi seu blog n atrê! se puder me segue tbm!
    carlinhamary.blogspot.com

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  3. Na verdade eu adorei tudo isso...
    Seu blog é irado"
    da uma olhada no meu (monteirorick.blogspot.com)
    "-"
    vou te segui"

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