sábado, 2 de julho de 2011

Partida

Não, não será mais do seu jeito. Eu não vou mais permitir que me dilacerem dessa maneira e é bom que você saiba que não há argumentos contra o fim. Desisti de você e esse é um fato aberto, do qual eu não me envergonho ou tento fugir. A liberdade me espera do outro lado da porta e eu não encontro as chaves, tire-as dos bolsos, entenda, acabou por aqui. Acabou tudo o que você me ofereceu e acabaram suas justificativas para a ausência. Acabou minha paciência e meus medos, eu disse, é o fim. Agora eu quero partir, eu preciso que você permita minha ida, por favor, entregue as chaves.
Engraçado é que o meu maior orgulho nunca foi notado. Eu cansei de esperar o dia especial, o momento da virada, mas vamos, me deixe partir. Eu não quero perder nenhum pedaço meu nesse monólogo, não quero que você me queira, não agora. Agora eu quero outros, novos exemplares de tudo o que eu tenho visto. Eu quero a liberdade que licenciaram apenas à você. Quero ser minha e de mais ninguém, porque esse seu discurso de posse me faz ferver a cabeça. Não me venha tentar justificar tudo o que passou. Passou, mas fica algo, sempre fica. E quando mais tempo perdermos nisso maior será meu asco pelo passado.
Não preciso lembrar-me de você. As coisas boas passam assim, como se um vento forte as arrancasse à força de nós, deixando poeira nos olhos e embaraçando os cabelos . O desconforto me corrompe e eu preciso correr logo daqui, antes que tudo vire pó. Eu não posso me queimar, não posso me destruir agora, eu não vou conseguir me levantar.
Estou indo, não me estenda as mãos, quero apenas as chaves. Isso, passe as chaves. Obrigada. Não olhe assim, não, não diga nada. Eu estou partindo.

"Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote
Da casa do campo da minha velha infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?"
(Álvaro de Campos)

3 comentários:

  1. Como sempre você deu um show com suas palavras! Acho muito lindo tudo que você escreve e por mais que isso seja um pouco da "sua vida" , tem coisas que você escreve que são muito "minhas" também, rs. me identifico bastante com suas palavras! Parabéns, mais uma vez, Caroline.

    ResponderExcluir
  2. Queeeeeeeeee saudade daqui *-* Eu meio que perdi o endereço, ou será que foi o meu note que tava ruim com html sei lá. Achei lindo, muito lindo esse texto. Me identifiquei demais com cada coisa escrita aqui. Como sempre. Parabéns, meus parabéns!

    ResponderExcluir